Há dezenas de milhares de anos, período em que o homem sobrevivia basicamente da caça, alguns filhotes de diferentes animais eram adotados e cuidados pelas comunidades humanas, passando a fazer parte das famílias. Nasceu então o processo de domesticação numa relação natural semelhante ao mutualismo. Nesse sentido humanos e esses animais se beneficiaram cooevoluindo juntos. No Brasil, muito antes da chegada dos portugueses, essa prática cultural de cuidar, manter e criar animais era amplamente difundida pelos povos indígenas que os denominavam xerimbabos, termo que assumia acepção de algo muito querido. Assim a criação dos animais da nossa fauna nativa pelos indígenas associava conhecimentos tradicionais passados de geração em geração, o que acabou integrando a cultura brasileira. Os xerimbabos da nossa fauna foram os primeiros animais de estimação do Brasil.
Com a chegada dos europeus em solo americano, vieram as espécies criadas no velho mundo e a cultura a elas relacionada. Esses conhecimentos se miscigenaram com aqueles dos indígenas, gerando de forma indelével uma riqueza cultural que envolve a convivência, o cuidado e a criação de animais. O resultado da fusão desses conhecimentos milenares é indissociável da cultura humana. O surgimento de ofícios especializados como dos criadores, dos adestradores, de áreas do conhecimento como a medicina veterinária, a zootecnia, e da cadeia produtiva de comércio, indústria e serviços, revelam a força dessa cultura. No aspecto afetivo, ela permeia e molda toda a sociedade humana.
A destruição de habitats é a principal causa de extinção de espécies e muitas populações naturais já não são mais sustentáveis sem a preciosa ajuda da criação e dos cuidados humanos. E nesse sentido a cultura imaterial da criação e do cuidado com animais deve ser protegida e incentivada cada vez mais.
O projeto de lei 318/2021 propõe reconhecer que a criação de animais é um Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. O apoio a essa iniciativa é indispensável se queremos proteger a nossa cultura, aqueles que a preservam pelo seu trabalho ao longo de gerações e, acima de tudo, o patrimônio genético dos animais. Pois sem a cultura da criação o que será das espécies que dependem do nosso cuidado?
Por Deni Lineu Schwartz Filho
14 de fevereiro de 2021
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